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O Dia Mundial da Segurança do Doente é assinalado a 17 de setembro desde 2019. Leila Sales, Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica e Diretora da Área de Ensino de Enfermagem da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa – Lisboa, lançou um guia prático sobre o assunto, em 2021. Este ano, em entrevista ao HealthNews, a especialista abordou o tema definido pela OMS: a literacia do doente.
HealthNews (HN)- Qual a importância de se assinalar mundialmente, desde 2019, o Dia da Segurança do Doente?
Leila Sales (JS)- Assinalar o Dia Mundial para a Segurança do Doente foi uma estratégia da Organização Mundial da Saúde no sentido de comprometer os países, através das suas organizações, das suas instituições de saúde, a marcar esta data na agenda, para poderem neste dia associar-se a diversas iniciativas abordando especificamente o tema. Foi para assinalar uma área muito importante, um problema de saúde pública a nível mundial, e que a OMS tem vindo a reforçar nos últimos 20 anos, no sentido de as instituições concretizarem algo no próprio dia.
HN- E relativamente ao tema deste ano, a literacia do doente para a segurança nos cuidados de saúde, quais são os aspetos-chave sobre os quais importa refletir?
LS- Quando nos referimos ao contexto de segurança do doente, estamos obviamente a forcar-nos prioritariamente nas pessoas a quem são prestados cuidados de saúde, mas é um conceito que envolve todos – envolve a equipa multidisciplinar de saúde, envolve os doentes, envolve todo o ecossistema da saúde, porque a segurança do doente é a segurança de todos nós. Todos nós um dia vamos ser o doente, portanto estamos a falar na segurança de todos.
Esta questão da literacia em saúde é muito importante. Nestes mais de 20 anos de trabalho nesta área da segurança do doente, conseguiu-se perceber que não é possível trabalharmos a segurança do doente sem haver um envolvimento dos utentes, dos doentes, dos clientes. No fundo, dos cidadãos. Este trabalho não pode estar apenas do lado dos profissionais de saúde e das organizações de saúde porque falta uma parte essencial, que é a pessoa para quem estamos a desenvolver todo este trabalho. Nesse sentido, cada vez mais a segurança do doente tem implícito que a pessoa é o centro de tudo. Portanto, nós estamos focados na segurança da pessoa, a pessoa tem que ser chamada a participar com os profissionais na segurança, e é fundamental que haja literacia, os doente saberem os cuidados de saúde que devem ter, como é que o sistema de saúde está organizado, recursos de saúde a que podem aceder, como é que devem controlar a sua saúde, o que é que é espectável que os profissionais de saúde garantam quando vão ser submetidos a qualquer tipo de procedimento, como é que hão de gerir o seu regime medicamentoso e terapêutico. Se não temos uma população que tem literacia, com conhecimentos básicos na área da saúde, não vamos conseguir nem envolvê-los nem fazer passar a mensagem.
Temos de ter a consciência de que é nas suas casas que as pessoas estão maioritariamente, e assim é que tem de ser, a gerir os seus processos de saúde-doença. Só em alguns momentos das suas vidas contactam com as organizações de saúde e, portanto, não podemos estar à espera de trabalhar a segurança dos doentes apenas quando as pessoas recorrem aos serviços de saúde, porque a grande maioria do tempo elas estão no seu contexto familiar, no seu domicílio, e precisam de apoio, supervisão, acompanhamento e de ter ferramentas e conhecimentos que as possam ajudar nesta gestão.
HN- Estamos a seguir um caminho de maior autonomia do doente, com a evolução da tecnologia. Até a hospitalização domiciliária, que muitos defendem, se liga a este desafio. Também devemos ter em conta que tem de ser uma autonomia com consciência?
LS- Claro que temos de preparar a população, capacitar os doentes para o autocuidado e a gestão dos seus processos saúde-doença, dos seus regimes terapêuticos, para que haja sucesso. As pessoas têm que ter estes conhecimentos e têm que ser preparadas e acompanhadas pelos profissionais de saúde, para poderem garantir com segurança estas questões que estamos aqui a discutir, de terem melhor saúde, de terem bons resultados daquilo que são os regimes terapêuticos implementados, de gerirem eficazmente o seu processo de doença e as adaptações que têm que fazer para se capacitarem e adaptarem a estas novas realidades. É um ecossistema que tem que estar todo interligado e, de facto, o cidadão é o elemento central. Por isso é que é tão importante haver cada vez mais, e agora fala-se muito nisso, programas para aumentar a literacia em saúde. É uma responsabilidade de todos, profissionais e organizações de saúde, mas também de toda a sociedade, aumentar a literacia das pessoas.
Em Portugal, temos um problema de literacia – não só na saúde, mas também e muito na saúde. Penso que tem a ver um pouco com uma forma muito paternalista, como fomos gerindo a saúde das pessoas ao longo destes anos: foco nos profissionais de saúde e naquilo que eram as orientações que estes davam e que as pessoas seguiam com pouca decisão. Neste momento essa ideia está completamente abandonada e, de facto, a pessoa é o centro e tem que fazer parte, tem que colaborar com a equipa de saúde sendo um elemento ativo na tomada de decisão e na conscientização sobre o seu processo de saúde-doença, naquilo que são as opções terapêuticas. A pessoa tem que estar envolvida e preparada, para que tenha segurança e não ocorram incidentes de segurança do doente, por falhas na toma da medicação, por quedas que podiam ser prevenidas, pela ocorrência de lesões por pressão, por uma série de situações que podem ser evitadas.
Na literatura está referenciado que pelo menos 50% dos incidentes de segurança do doente que causam dano, denominados eventos adversos, são preveníveis. Isso envolve uma série de questões, de práticas seguras, mas também de literacia das pessoas, numa lógica de estarem mais bem preparadas quando recorrem aos cuidados de saúde, e elas próprias poderem também ser uma barreira de segurança na intervenção com os profissionais de saúde e alertarem para alguns aspetos que os profissionais de saúde, no dia a dia, no decorrer das atividades, podem esquecer. O doente deve ser mais um elemento de alerta para o profissional.
Ler a entrevista completa na Healthnews aqui.