Crónica de Liliana Raposo, Área de Cardiopneumologia

 

Estados de alma!

 

Neste tempo de incerteza quanto ao que pode espreitar “ao virar da esquina”, dirijo-me diariamente ao hospital onde trabalho. Levo os meus olhos em lágrimas enquanto me aproximo do destino final. Já estou quase a chegar… e penso: tem de ser!!! De coração apertado saí do conforto do lar deixando a minha filha, em isolamento há 40 dias, a sós com os seus próprios pensamentos… que posso eu fazer? Seguir em frente, um pé atrás do outro, até que esta jornada tenha um fim.

 

Entro de máscara e percorro o trajeto. Cruzo-me com outros que, como eu, também têm de lá estar. Com os olhos descobertos, esses que são “o espelho da alma”, o que vejo? Vejo nos outros o que eu própria estou a sentir. Ninguém está indiferente, ninguém está despreocupado, ninguém sente a mesma alegria ao desejar “um bom dia”, como era habitual… todos têm medo! Medo não só pelo que nos pode acontecer, mas pelo perigo que podemos infligir aos que mais amamos. E esse é o pior!

 

Mas se o medo não me abandona, também não me abandonam a família, os colegas e os amigos. Todos estamos “no mesmo barco”! Rotinas alteradas, desvios imprevistos, mas todos unidos.

 

E a união faz a força! Nas palavras de Rui Veloso: “(…) muito mais é o que nos une, que aquilo que nos separa (…)”, aguardo impacientemente pelo momento em que possa dar “o meu primeiro beijo” a toda a minha família, separada agora pelo confinamento a que estamos condicionados, mas também pela distância avassaladora que o Oceano Atlântico impõe.

 

Com Fé e Esperança, mais cedo ou mais tarde, lá chegaremos!!!

 

A escola…

 

Os começos e recomeços da primeira aula online!

 

Como se faz? Agora esqueci-me da câmara, agora o som está muito baixo e não me conseguem ouvir! Fazem-me sinais. Rio-me!!! Recomeço de novo: envio o convite. E agora como partilho com os alunos? Conseguem ver-me? Sim! – respondem eles. Também se riem…

 

E agora? Partilhei o ecrã. Será que está a gravar? Carrego no Esc, tiro o powerpoint, vou ver se está a gravar. Sim, está! Boa!! Parece que vou conseguir… à segunda vai ser melhor! Já não me lembro como se faz. Chamo a minha filha para me ajudar. Faltam 5 minutos para a aula começar e ainda não consegui fazer o que é suposto. Demorou 10 segundos! E penso: como é possível? Até sei fazer muitas coisas… como não vi que era tão fácil?

 

E lá estou eu à frente do computador a lecionar uma aula online.  A tempo e horas, que é sempre o meu maior stress!

 

Um misto de sensações: é possível superar de alguma forma a inexistência de aulas presenciais. Boa! Por outro lado, pareço uma maluca a falar para um computador! Rio-me novamente. Estão todos a passar pelo mesmo, não sou só eu. Sou? Os alunos foram e são compreensivos para com a minha capacidade limitada de utilização destas ferramentas informáticas. Nunca precisei antes, não fui perder tempo a saber como se fazia. Bendito tutorial!

 

Embora a adaptação a esta nova realidade seja trabalhosa (muito mais trabalhosa), com adaptações das aulas TP e PL, com recurso a outros instrumentos que não estavam anteriormente programados, parece estar tudo a correr bem. Pelo menos é o feedback que me chega por parte dos alunos.

 

Será verdade? Creio que sim!! Está, não está?

 

Brincadeira e humor à parte, parece-me que a comunidade escolar se soube adaptar de uma forma impecável a uma situação adversa e incomum. Creio que os alunos estão mais capacitados para estas tecnologias do que alguns docentes, mas por outro lado, tendo “as regras do jogo” mudado, terão eventualmente também mais trabalho.

 

Enfim… é pelos alunos que cá estamos e creio que todos nós estamos a fazer um esforço para que nenhum seja prejudicado. E não serão, com toda a certeza que me é permitida dar.


 

Liliana Raposo

Professora na Área de Ensino de Cardiopneumologia

Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa-Lisboa

ESSCVP Notícia