PT
ENPT
EN
*as opiniões expressas são responsabilidade do autor e não vinculam a ESSCVP-Lisboa
Que lições podemos tirar para o futuro?
A 2 de março de 2020 a incerteza e a insegurança instalaram-se na vida de todos nós e o vírus que temíamos- SARS-CoV-2, assim como a doença associada- COVID-19 chegavam também a Portugal. As notícias e informações científicas que vinham do exterior e das análises de peritos nacionais davam a entender que estaríamos perante um problema de saúde global sem precedentes e num contexto único de grande mobilidade de pessoas, fazendo com que a propagação do vírus fosse muito mais acelerada. Assistíamos em países próximos de nós e com características semelhantes, às dificuldades de gestão destes doentes e à enorme pressão colocada sobre os serviços de saúde e sobre os seus profissionais. Os especialistas italianos em medicina intensiva deixavam-nos o aviso “preparem-se”…
Estes alertas que iam chegando da Organização Mundial da Saúde assim como dos profissionais de saúde de outros países deram-nos a consciência que o Tsunami estava prestes a chegar, contudo tínhamos a vantagem de puder aprender com as falhas e experiência dos outros e fazer diferente. Aqui começa a 1ª lição de Segurança do Doente- Aprender com os erros. A aprendizagem com os erros permite uma análise profunda de identificação das ações e planos que levam a falhas e produzem outcomes indesejados nos doentes, levantam alertas e consciencializam para as opções a não tomar de forma a poder melhorar continuamente. Desta forma foi possível analisar os principais erros externos e seguir as estratégias de sucesso.
Esta pandemia veio levantar grandes e novos desafios para os profissionais de saúde, em particular para os enfermeiros exigindo uma abrangência de conhecimentos em vários domínios, novos conhecimentos sobre uma patologia desconhecida e novidades a nível da prestação de cuidados a estes doentes. Para uma preparação adequada foi necessário muita pesquisa, leitura de publicações científicas, definição de normas de orientação clínica assim como a análise crítica e síntese de evidência para fundamentar a prática clínica.
Aqui surge a 2ª lição de Segurança do Doente- Informação e estandardização são determinantes. O conhecimento atualizado e fundado na melhor evidência científica, assim como a adoção de guidellines e o desenvolvimento de normas padronizadas operacionais (standart operations precision) são essenciais para a excelência clínica, para a garantia da segurança dos doentes e para a melhoria da qualidade na prestação de cuidados. Só com intervenções fundadas em conhecimento científico e estandardização das melhores práticas poderemos obter os melhores resultados para os doentes.
Ainda relativamente aos profissionais de saúde tomou-se a consciência de que não era possível combater esta pandemia de forma isolada e apostando num único grupo profissional, foi necessário empoderar os profissionais, promover a interdisciplinaridade e a coordenação integrada de várias equipas, trabalhar em rede ajustando-se saberes e competências numa dinâmica de trabalho conjunto e contínuo em prol do doente, o que nos leva à 3ª lição de Segurança do Doente- Trabalho em Equipa Interdisciplinar, Comunicação e Liderança.
A partilha de informação, de experiências de trabalho e organização conjunta de projetos potenciando os saberes individuais de cada área de conhecimento com respeito e reconhecimento sobre os contributos que cada um pode dar dentro da sua esfera de competências, promovem melhores resultados para os doentes, aumentam a coesão de grupo e o envolvimento dos profissionais, assim como o respeito pelo trabalho de cada um individualmente e da equipa como um todo. Com esta experiência aprendemos que a formação e treino conjunto na área da saúde é essencial. Existem áreas comuns que devem ser trabalhadas de forma integrada e os profissionais treinados conjuntamente em cenários de simulação para desenvolverem planos de atuação, otimizarem a sua capacidade de resposta, de dinâmica de trabalho em equipa e comunicar eficazmente.
Por outro lado percebemos que liderar não é o mesmo que ter um título, mandar ou ter um estatuto hierárquico superior dentro da equipa de saúde, pelo contrário a hierarquização dentro da equipa de saúde coloca sérios riscos à Segurança do Doente. Os líderes emergiram naturalmente, foram muitos em diferentes áreas e as suas equipas e a população souberam reconhecê-los. A coesão das equipas nunca foi tão presente e o trabalho desenvolvido em prol de um objetivo comum.
A 4ª lição de Segurança do Doente – A pessoa no centro do sistema. A frase inscrita no plano nacional de saúde e em todos os documentos de relevo sobre a matéria passou efetivamente para os contextos clínicos. Os serviços reorganizaram-se, foi implementada a teleconsulta e o follow-up telefónico, os profissionais de saúde reinventaram-se para permitir que a restrição de visitas não significasse o isolamento social dos doentes e o afastamento das suas pessoas significativas. Alguns profissionais saíram das portas do hospital e dos centros de saúde para acompanhar os doentes nos seus domicílios e nas estruturas residências para idosos, facultou-se a acessibilidade nas farmácias comunitárias a medicamentos hospitalares e olhou-se para a segurança do doente em todas as suas dimensões: física, psíquica e emocional. Houve aspetos que falharam e não tiveram a devida atenção… sem dúvida não há nada perfeito, mas muitas coisas que estavam há muito pensadas tomaram finalmente forma.
5ª Lição de Segurança do Doente - Valorização, proteção e dotações de profissionais. Assistimos diariamente ao reconhecimento e agradecimento sentidos aos da “linha da frente”, reconheceu-se que de facto temos dos melhores do mundo também na saúde. O nosso ensino é de elevada qualidade e os nossos profissionais como bons portugueses são exímios na reação e capacidade de trabalho. Percebeu-se os riscos a que estão sujeitos na sua prática profissional, das dificuldades diárias de conciliação profissional e familiar, da necessidade de quase disponibilidade total para o trabalho sacrificando os tempos de descanso e assistência à família.
As dotações seguras finalmente foram priorizadas e iniciaram-se processos de recrutamento, um dos problemas foi a falta de tempo e de formação que os mesmos tiveram para se adaptarem às funções e aos contextos de trabalho. Para garantir a segurança dos doentes necessitamos de recursos humanos não apenas em número suficiente mas também com as competências adequadas. Finalmente reconheceu-se a insuficiência de recursos humanos na saúde e da necessidade emergente de contratação de profissionais que esperemos se mantenha depois desta primeira onda, numa política organizada e estruturada de alocação de recursos e valorização profissional. Não podemos correr o risco de perder para o exterior ou deixar de ter os nossos heróis disponíveis para tratar de todos nós.
6.ª Lição de Segurança do Doente - Importância das Equipas de gestão do risco e PPCIRA
As equipas de gestão do risco e PPPCIRA assumiram um papel ativo de consultadoria e definição de estratégias dentro das organizações. Foram os órgãos consultivos de eleição para ajudar a definir as melhores práticas e minimizar os riscos. Desde a emissão de pareceres sobre a aquisição de materiais de proteção individual, ao planeamento e organização de circuitos, definição de normas e procedimentos, à formação e treino dos profissionais e divulgação de informação de educação para os doentes, muitas vezes com escassos recursos guiaram a atuação dos profissionais e com o seu acompanhamento garantiram que ninguém correria mais riscos do que os inevitáveis devido a este vírus.
7ª Lição de Segurança do Doente - Não é tempo de parar, os desafios continuam e os perigos mantém-se, tenhamos nós a capacidade de não voltar atrás nas conquistas que já obtivemos. A Segurança do Doente é a Segurança de todos, é um prioridade e o caminho que foi feito já não pode ter retorno.
Leila Sales
Professora Coordenadora do Curso de Licenciatura em Enfermagem
Enfermeira e Professora comprometida com a Segurança do Doente