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*as opiniões expressas são responsabilidade do autor e não vinculam a ESSCVP-Lisboa
A reabertura das creches/escolas é hoje um tema que gera alguma controvérsia a nível nacional e mundial.
A evidência a que se recorre para fundamentar as opções políticas obriga a diferentes estratégias, não havendo consenso na melhor decisão. Arriscar é a palavra da frente em cada medida tomada, palavra esta que deixa qualquer mãe/pai ansioso e receoso quando se refere a decisões sobre o seu filho.
Temos cerca de 5 meses desde o 1º caso identificado do vírus e é verdade, não há ainda consenso científico sobre a transmissão do vírus pela criança, mas é importante refletirmos sobre alguns factos.
A 13 de março, Filipe Froes, Pneumologista, Coordenador do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos e membro da task force da Direção-Geral da Saúde (DGS), deixa claro na Grande Entrevista da RTP3 o processo de infeção provocado pelo novo coronavírus, referindo que “O vírus tem um espigão que serve de chave e procura uma fechadura dentro do nosso corpo para entrar. O vírus vai provocar doença onde estas fechaduras existem. A fechadura (ACE2), ou seja, os recetores deste vírus, abundam mais no aparelho respiratório inferior. Outra informação importante é que por cada década de vida, o número de recetores no aparelho respiratório aumenta 20%, sendo uma possível explicação para as crianças estarem a ser poupadas a este vírus”.
Quando analisamos os dados a nível mundial das crianças saudáveis até à idade escolar que foram infetadas pelo novo coronavírus, as conclusões quase que emergem por si. A evidência surgirá em breve, mas os dados clínicos dão-nos já uma enorme tranquilidade.
Alguns países avançaram com a abertura das creches/escolas antes de Portugal e aqui estamos nós, mais uma vez, a aprender com os resultados dos que arriscaram (sorte a nossa!). Ora vejamos, a Noruega reabriu as creches a 20 de abril e passada uma semana as escolas primárias; na Bélgica as creches reabriram a 4 de maio; a 11 de maio França retomou as aulas presenciais do ensino pré-escolar e básico; na Holanda, Suíça, Finlândia, Grécia e Croácia a reabertura gradual dos estabelecimentos de ensino também já se iniciou.
A Espanha e a Itália, por razões que se compreendem, já anunciaram que não irão reabrir as escolas pelo menos até setembro. Felizmente dois cenários diferentes do nosso, mas com uma importante reflexão sobre a abertura das Escolas em setembro, ora reparem. Muitos pais portugueses equacionam a possibilidade dos seus filhos regressarem à Escola apenas em setembro, ora é a partir de setembro/outubro que normalmente começam os casos respiratórios em Portugal, e refiro-me a bronquiolites, pneumonias, gripe. Para ser sincera, esta será a fase que mais me preocupa, a chegada do outono/inverno e a agravante do novo coronavírus. A criança com um quadro respiratório de base poderá desenvolver uma resposta menos positiva ao vírus. Esta será a “curva” que mais me assusta, a curva do inverno, não só nas crianças, como na população em geral. Que não se transforme na curva do inferno, pedimos todos!
Neste momento a vacina parece-me mais como um indicador promotor de esperança, que uma realidade próxima e, por isso, a imunidade de grupo avança como uma importante medida de controlo e prevenção de uma brusca procura e sobrelotação dos serviços de saúde. Começar a expor as crianças, adultos, idosos à comunidade em setembro/outubro, parece-me ser uma decisão perigosa de tomar. A partir dessa altura, os internamentos e urgências pediátricas estarão cheios e com horas de espera, um cenário que já nos é conhecido nesta época do ano.
Não podemos deixar de refletir sobre a estratégia da Dinamarca, o primeiro país europeu a promover faseadamente o regresso às creches/escolas, após um mês de confinamento, tendo começado pela reabertura das creches e escolas primárias em abril. A decisão tomada pela Dinamarca deveu-se ao facto de as crianças mais pequenas serem as que alegadamente apresentam um menor risco de infeção. Uma decisão arriscada, mas a verdade é que pouco ou nenhum impacto teve no número de casos/mortes...arriscaram e já compreenderam que foi a melhor decisão.
Estaremos, nós pais, preparados para deixar os nossos filhos na creche/escola? Não estarão os nossos filhos mais protegidos connosco? Conseguirão socializar num ambiente tão protegido e onde se exige tanto distanciamento?
Gostava de viver num mundo cor-de-rosa e dizer-vos que neste momento todas as crianças e pais se encontram bem e felizes nas suas casas, mas a verdade é que não. As famílias foram levadas a testar os seus limites, não só com os filhos, mas entre o casal. Nunca em algum momento estivemos tanto tempo juntos...como estamos a aguentar? A nossa geração não está nem estará preparada para isto.
O que no início parecia ser possível, as brincadeiras com os filhos, a manutenção das rotinas, as aulas, os trabalhos em casa, o teletrabalho...começou a deixar de ser. Começámos a ficar cansados e a perceber que nem estávamos a trabalhar bem, nem estávamos bem com eles.
Ontem dizia-me uma mãe de um menino de 16 meses “já chamamos o nosso filho de pingue-pongue, ora vai ter com o pai ao escritório, ora vem ter comigo à sala, onde estamos no computador e assim anda ele quando está acordado”. Nem todos os pais têm um jardim enorme onde a criança pode brincar, ou por outro lado, deixaram de trabalhar para estar a 100% com o(s) seu(s) filho(s), a maior parte não, e aqui entra a exaustão da família.
Os pais estão cansados, com menos paciência e esta “bola de neve” já tem dois meses. Assunto muito delicado, seria pensar em como este extremo cansaço dos pais, em muitas situações, está a refletir-se nas crianças. O confinamento, a indisponibilidade, o stress e a paciência que em tempos já foi melhor, interferem de forma preocupante com a saúde mental das crianças e pais. Muitas crianças não estão bem e infelizmente não tenho quaisquer dúvidas disso.
Os pais e as crianças precisam de finalmente respirar. Nesta simples e complexa palavra incluo o socializar, o estimular, o aprender e o desenvolver.
Não questionando quaisquer medidas da DGS, não tenho dúvidas que muitas crianças irão socializar mais na creche/escola que em casa, talvez a maior parte. Desenganem-se os pais que referem conseguir dar em casa aquilo que os nossos filhos têm na escola, não conseguimos...e felizmente! O que promovemos em casa é bom, mas não substitui a escola.
Quando pensamos nas máscaras que as educadoras/auxiliares vão usar, na adequação das salas, cuidados no recreio, estamos a ver na nossa perspetiva, as crianças são seres de uma enorme adaptação. Deve sim, haver uma explicação com uma história, para que melhor compreendam o que se está a passar, mas o que hoje é novidade, amanhã já não será. Nós complicamos, eles não! Cantam, fazem jogos individuais/em grupo, estão com os amigos e uma criança com 2-3 anos tem o mundo (idade do egocentrismo segundo Piaget). Contem uma história que envolva um pensamento mágico a uma criança em idade pré-escolar com uma bata e uma máscara, e ela passa a adorar todo aquele equipamento, entramos no mundo delas.
Cada escola irá ajustar, dentro do possível as medidas sugeridas, mas com bom senso. Vamos descomplicar!
Em breve os parques vão abrir, as praias, os restaurantes...e para onde vão as crianças que não vão para as creches/escolas? Para os avós? Talvez não seja a melhor decisão em algumas circunstâncias.
Os pais não vão conseguir estar confinados em casa com as crianças até setembro, por isso, não tenho dúvidas que as praias e os parques estarão com muitas crianças brevemente. Evitar o contacto entre crianças no parque ou na praia, ou até mesmo a partilha de brinquedos, parece-me humanamente impossível. Quem tem filhos sabe que os brinquedos dos outros são sempre melhores que os do nosso filho e a busca pelo brinquedo do outro é sempre o maior objetivo dos nossos filhos em qualquer passeio. A juntar às crianças, estarão os seus pais e amigos...um aglomerado de pessoas que será impossível controlar.
A minha análise leva-me a arriscar dizer que muito em breve será mais seguro estar na escola que fora dela.
Com prudência e ponderação, mas precisamos TODOS de avançar e ESTE É O MOMENTO.
Joana Mendes Marques (mãe de duas crianças, de 3 e 5 anos)
Professora Adjunta na Área de Enfermagem
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica
Doutorada em Enfermagem Avançada
Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa – Lisboa