Crónica de Ana Paula Nunes, Área de Enfermagem

 

Quanto mais tempo precisamos de isolamento, para nos protegermos do SARSCoV-2?

 

Muitas das decisões políticas tomadas em Portugal e noutros países, sobre a forma de controle do novo coronavírus, SARSCoV-2, que provoca a doença COVID-19, estão alicerçadas nos modelos matemáticos desenvolvidos por epidemiologistas e matemáticos. Os modelos matemáticos em saúde pública, e principalmente em situação de pandemia, são dinâmicos, e dependem de diversas variáveis, ou seja, dos dados que se dispõe. Neste sentido, os resultados dos modelos mudam de acordo com a mudança dos dados, com as alterações diárias do número de casos e com os dados dos locais a que reportam.

 

Assim, as equações de um modelo matemático, não podem ser diretamente aplicadas em todos os locais e a todos os países, independentemente de estarmos todos a sofrer o impacto da mesma pandemia e pelo mesmo agente infeccioso. Cada modelo matemático desenvolvido para um determinado local, é feito tendo em conta as variáveis que têm naquele momento. Contudo, como desconhecemos o comportamento deste vírus, falta sempre alguma informação para completar a equação do modelo.

 

Se os modelos variam tanto, porque é que são usados? Mesmo faltando informações, é importante determinar as variações do vírus, para poder fazer previsões. Os output de um primeiro modelo, são os input do modelo que se desenvolve a seguir, e este último, é muito importante, porque permite procurar as informações que faltam. Para além deste aspeto, a evolução dos modelos, permite construir sempre modelos melhores, que levam a tomadas de decisão também melhores, que por sua vez permitem adotar as melhores medidas para controlar a pandemia. Neste sentido, sendo muito importantes, os modelos matemáticos usados para a COVID-19, devem ser interpretados de acordo com o princípio da precaução.

 

Tendo em conta a alta transmissibilidade do novo coronavírus, os modelos identificam o afastamento físico/social, como uma medida eficaz e uma das poucas medidas que dispomos. As indicações de afastamento físico/social, sugeridas pelos modelos matemáticos, não vão impedir a transmissão da infeção, mas sim, diminuir a velocidade de transmissão do vírus, evitando desta forma, sobrecarregar o sistema de saúde. São vários os exemplos, do passado e do presente, que demonstram que esta medida resulta.

 

Identificar o tempo de imunidade contra o SARSCoV-2, é um dos aspetos fundamentais para acrescentar às fórmulas dos modelos matemáticos, uma vez que esta informação determinará o que se deve fazer em relação aos períodos de isolamento social. Assim, o que se prevê, é que se a imunidade ao vírus não for permanente, este irá circular na comunidade humana de forma regular, provocando surtos periódicos nos próximos anos. Estes poderão ocorrer, todos os anos ou de 2 e 2 anos, tal como o comportamento de outros coronavírus já conhecidos, o HCoV-OC43 e HCoV-HK1, que provocam constipações anuais.

 

Na ausência de vacina e de tratamentos, e desconhecendo-se o tempo de imunidade pós-infeção, a vigilância da saúde pública e o isolamento social intermitente, podem ser necessários, nos próximos 2 anos. Isto acontece porque somos todos suscetíveis ao vírus. Depois do isolamento, quando abrandarmos as medidas mais importantes de contenção e regressarmos à “nova” normalidade, inevitavelmente, mais pessoas ficarão infetadas, provocando uma subida exponencial de novos casos. De acordo com as indicações dos modelos matemáticos, o isolamento social intermitente, permite manter o crescimento de infeções de forma lenta e controlada, sem sobrecarregar o sistema de saúde. 

 

Desta forma, as pessoas ficarão gradualmente infetadas, haverá capacidade dos sistemas de saúde para providenciar tratamento e obterão uma imunidade gradual, que ao longo do tempo, se constituirá como uma imunidade de grupo, ou não. Para que esta estratégia corra bem, é necessário testar todos os casos, no sentido de identificar o número de novos casos, para saber o momento em que se deverá iniciar um novo período de isolamento, e a saída do mesmo. Segundo vários autores, as medidas de isolamento social intermitente, deverão ser necessários até ao final de 2021, altura em que possivelmente já haverá uma vacina.

 

Independentemente das limitações e da diversidade dos modelos matemáticos existentes, uma sugestão partilhada por todos os investigadores até agora, é o investimento na capacidade de atendimento hospitalar, estudar a imunidade ao SARSCoV-2, manter o distanciamento social, testar para identificar novos casos e investir na pesquisa de vacinas e tratamento.

 

Desta forma, os modelos guiam as ações e permitem identificar estratégias num determinado momento e num determinado local, de acordo com os dados que se tem, mas é importante ter resiliência para as possibilidades de mudança.  Assim, a forma como gerimos a informação, que os modelos matemáticos nos dão sobre o novo coronavírus, depende da nossa maturidade como sociedade. O investimento em ciência sempre foi necessário, agora é mais do que nunca, mas agora mais do que nunca, se verificou e valorizou o quanto ela é necessária.

 

Referências

 

Leung K. First-wave COVID-19 transmissibility and severity in China outside Hubei after control measures, and second-wave scenario planning: a modelling impact assessment. The Lancet. April 08, 2020DOI:https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30746-7 https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30746-7/fulltext

 

Kinssler S. et al. Projecting the transmission dynamics of SARS-CoV-2 through the postpandemic period. Science  14 Apr 2020:eabb5793 DOI: 10.1126/science.abb5793

https://science.sciencemag.org/content/early/2020/04/14/science.abb5793

 

Kupferschmidt K. Ending coronavirus lockdowns will be a dangerous process of trial and error. Science Apr. 14, 2020. https://www.sciencemag.org/news/2020/04/ending-coronavirus-lockdowns-will-be-dangerous-process-trial-and error?utm_campaign=news_daily_2020-0414&et_rid=643159985&et_cid=3285866#

 

Maekel H. et al. Nonpharmaceutical Interventions Implemented by US Cities During the 1918-1919 Influenza Pandemic. JAMA. 2007;298(6):644-654. doi:10.1001/jama.298.6.644 https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/208354

 

 

Ana Paula Nunes

Professora Adjunta na Área de Ensino de Enfermagem

Coordenadora da Pós-Graduação Missões Humanitárias, Catástrofes e Conflitos

Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa - Lisboa

 

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